“NA LUTA!”
- Fernando Polignano
- 21 de fev. de 2022
- 3 min de leitura
Há pessoas que parecem precisar dar um tom heroico ao que vivem, para ter a impressão de que vivem algo extraordinário. E se a proposta for se libertar de ser somente aquilo que se espera, e vibrar num outro padrão nossa energia vital?

Encontro um velho conhecido na rua, absolutamente por acaso. Nos surpreendemos alegres e nos cumprimentamos e, em resposta à minha saudação e ao tradicional - ’E aí? Como vai?’, ouço um ‘Na luta!’, dito com certa ênfase e um jeito que parece querer expressar algo como ‘não tem jeito, é assim’, ou alguma outra coisa nessa linha.
Noto já há algum tempo que diversos e diferentes conhecidos e amigos, quando os encontro e pergunto como estão, invariavelmente respondem com esse ‘Na luta!’, dito naquele tom enfático. A repetição dessa resposta, que com o tempo foi banalizando para mim a expressão, me fez começar a me perguntar por que usar essa expressão, ou uma variação em tom mais nordestino – “Na peleja!”? E cheguei a algumas reflexões.
A vida oferece desafios constantes a todos e, independentemente de ter ou não boas condições financeiras e de estrutura de vida, todos enfrentam suas dificuldades. Bem, isso nos iguala, até certo ponto, embora cada um saiba de si e do que representam as dificuldades que enfrenta. Mas o certo é que não parece haver ninguém totalmente ‘de boa’ na vida. Não por muito tempo. Lembro dos versos do poeta Gonçalves Dias: “ A vida é luta renhida que aos fracos abate e aos fortes só faz exaltar.” E penso: escapar disso, quem há de?
Ora, esses amigos e conhecidos em sua maioria não são pessoas que, até onde sei, estão cruzando alguma situação verdadeiramente mais séria, alguma coisa envolvendo perdas significativas, travessias de ciclo na vida, separações, doenças. Vivem, sim, a vida nossa diária, com seus dissabores e pequenos prazeres cotidianos. Observo que há pessoas que parecem precisar dar um tom heroico ao que vivem, para quem sabe ter a impressão de que vivem algo realmente extraordinário e que, só pelo esforço que fazem, vale à pena.
Assim sendo, valorizam cada detalhe das tais ‘dificuldades’, ampliam os impactos, contam e recontam a todos cada minúcia do que passaram ou estão passando. Há que transformar o banal em algo memorável e digno de reconhecimento pela bravura de enfrentar ‘a luta’, a tal ‘peleja’. Faço minha interpretação de que talvez o banal cotidiano esteja tão vazio de sentido que é preciso romancear o viver, quixotear o viver transformando meros moinhos de vento em gigantes encantados, para sentir-se vivendo realmente.
O que pode fazer falta? Um propósito claro que transcende o ‘trabalho porque tenho que pagar as contas’? Reconhecer a nós mesmos como competentes e aptos para viver os múltiplos papéis que temos que desempenhar, como filhos, irmãos, pais, maridos e esposas, sobrinhos, netos, líderes, colaboradores liderados? Enfim, será que falta se libertar de ser somente aquilo que se espera, e vibrar num outro padrão nossa energia vital, a vontade de viver e fazer valer cada pequena conquista, cada momento diário?
Pode não ser o dinheiro, o cargo, o carro, o companheiro ou companheira o que realmente falta. Será mesmo necessário postergar o que precisa ser feito, apenas para fazê-lo de última hora, varando o tempo, ultrapassando os limites do respeito por si e pela família, apenas para justificar que ‘a vida é luta’? E que se lutou e venceu? Que vazio leva à essa busca por sentir-se ‘na peleja’ o tempo todo?
Ver a si mesmo como alguém que vive lutando o tempo todo pode levar a um estado de esgotamento desnecessário e improdutivo; pode levar à crença de que só vale se for no esforço constante. Por experiência própria, vejo que é possível lutar, sim, quando é preciso, e que é viável e desejável saber levar o viver com um propósito mais amplo e profundo, que traga realização e o sentimento bom de que se tem valor, mesmo não aparecendo aos olhos do mundo como um tipo de herói, em geral aquele que pode fracassar no próximo pequeno embate diário. E, lembremos, sempre há o tempo de trégua e descanso entre os momentos realmente difíceis.
O Ser do humano me fascina.
Fernando Polignano atua na área de Desenvolvimento Humano, de Estratégias de Liderança e Relacionamento.
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